1.6.12

O cinegrafista Gelson Domingos, o assassino Xaropinho e o jeito Band de fazer jornalismo

Para a Band e toda grande mídia, o assassino de Gerson foi Xaropinho.

A polícia do Rio de Janeiro divulgou ontem imagens de Erisson Lopes de Souza, o Xaropinho, como procurado por ser o responsável pelo disparo do tiro de fuzil que matou Gelson Domingos, cinegrafista da Band, no ano passado. Informações sobre o paradeiro do "criminoso" têm recompensa no valor de R$1000 e podem ser dadas através do Disque-Denúncia.

Compondo equipe com o repórter Ernani Alves, Gelson cumpria função de alto risco ao acompanhar a incursão da polícia pela Favela de Antares, na Zona Oeste do Rio. As imagens divulgadas pela emissora e que compuseram matéria do Jornal da Band no dia seguinte mostram que o clima era tenso desde a chegada dos profissionais ao local. 

Pelas imagens é possível perceber também a constante e mútua preocupação dos presentes, incluindo PMs e colegas de Gerson. Certamente, aquele não era o momento nem o lugar para pessoas não-preparadas estarem. 

À época da morte do cinegrafista, o blogueiro Paulo Henrique Amorim levantou uma importante questão: que imagem inédita nos noticiários policialescos da TV poderia ser gerada ali e justificasse o risco que os profissionais enfrentaram? "Qual a diferença entre o tiroteio de hoje e o de ontem?", pergunta ele nesta postagem do Conversa Afiada.

A péssima qualidade do jornalismo policial no país precisa urgentemente ser discutida. É inegável o interesse do público por esse tipo de reportagem e assunto (interesse esse constantemente alimentado pelas emissoras), mas a violência não pode estar  na tela dessa maneira. Diariamente, na hora do almoço ou no final da tarde, dezenas de programas do tipo transformam as salas das residências brasileiras em poço sem fundo de sangue.

Veja abaixo a reportagem exibida pela Band que traz as últimas imagens feitas por Gerson e note importantes detalhes.


1) Tanto o repórter Ernani Alves, quanto os PMs que participam da operação (além do próprio Gerson) destacam a todo momento a enorme quantidade de tiros disparados ou trocados.

2) Pelo menos duas vezes outro cinegrafista aparece fazendo imagens da operação sem qualquer equipamento de segurança (veja em 1:10 e 3:07). Pelas imagens, eram três equipes no local: a da Band, da Record e outra de emissora não identificada. Seria a TV Globo

3) Os repórteres Ernani Alves, presente ao local, e Sergio Costa usam expressões como "cessar-fogo" e "trégua". A sensação que os jornalistas e os telespectadores têm é de que acontece uma guerra, mas os profissionais não trabalham com as devidas condições.

4) Segundos antes de ser atingido pelo tiro que o mata, Gelson auxilia o trabalho do PM usando o recurso de sua câmera para aproximar a imagem e orientá-lo. "Tá armado ele! Tá armado!", exalta Gelson para, em seguida, o PM perguntar: "Dá pra ver a arma dele?".

A matéria faz questão de destacar que o cinegrafista usava colete, que fora perfurado, mas não aprofunda o assunto. Na época foi facilmente comprovado que a proteção de Gelson era insuficiente para o tiro que o atingiu. 

A emissora defendeu-se em nota, dizendo que dispõe de coletes de categorias II-A e III-A, "modelos de maior capacidade de proteção para uso civil" e que "instrui todos os seus repórteres e cinegrafistas a utilizarem o III-A". Gelson usava o modelo menos seguro dos dois citados. A nota destaca, ainda: "lamentavelmente nenhum desses dois modelos seria suficiente para impedir que ele fosse vitimado", como se a morte não pudesse ser evitada ou que a Band pudesse imaginar e limitar com que tipo de armamento seus profissionais seriam recebidos. 

Os responsáveis precisam ser... responsabilizados! Responsabilizados por terem levado ou mesmo permitido que Gelson Domingos fosse ao front de uma batalha sanguinária sem qualquer preparo e condição. A TV Globo (que também repercutiu o caso), através do Bom Dia Brasil, chegou a falar em "doloroso atentado à liberdade de imprensa", mas não falou em atentado à vida. Aqui, não existe concorrência. Mesmo sem programas policiais em sua grade como para o qual Gelson fazia imagens, não somente o discurso de que o cinegrafista estava protegido é repetido, mas reafirma-se a não-responsabilidade da Band.

Polícia na TV: aqui, agora e sempre  
Auto-intitulados como jornalismo verdade, os policialescos são o máximo que as maiores emissoras do país conseguem oferecer em programação local. Edições do "Cidade Alerta""Balanço Geral" (ambos da Record) e "Brasil Urgente" (Band) são péssimos exemplos, junto de tantos outros - estejam ou já tenham estado no ar.

A situação da Rede Bandeirantes, entretanto, parece ser mais complicada. Depois dos episódios carregados de preconceito entre Boris Casoy e os garis (relembre aqui) e da sem-noção Mirella Cunha (veja o constrangedor vídeo aqui), cabe um esclarecimento por parte da direção da emissora. Mais do que isso, tais elementos são individualmente suficientes para punir a concessão que os Saad têm, imagina sendo eles acumulados em pouco mais de dois anos.

Passados quase sete meses, permanece na tela a versão da morte como fatalidade. Ou de culpa do Xaropinho.