17.2.15

O patrocínio dos enredos das escolas de samba: uma nova antiga polêmica

Sétima colocada no desfile do Grupo Especial de 2014 com um enredo confuso em que homenageava Boni, ex-diretor geral da TV Globo, a escola de samba Beija-Flor de Nilópolis protagoniza uma polêmica antes mesmo de realizar o seu desfile nesta segunda-feira (16). 

Cantando e contando a Guiné Equatorial com o enredo "Um griô conta a história: um olhar sobre a África e o despontar da Guiné Equatorial. Caminhemos sobre a trilha de nossa felicidade", a agremiação da Baixada Fluminense (a maior vencedora desde que o Sambódromo foi inaugurado) recebeu pelo menos R$5 milhões em patrocínio do governo do país homenageado, segundo reportagem da BBC Brasil.

A polêmica, entretanto, se dá pelo fato de o presidente Teodoro Obiang Nguema estar no poder há mais de 35 anos e violar diversos direitos humanos. A reportagem indica, ainda, que o presidente é o oitavo líder político mais rico do mundo segundo o ranking da revista Forbes. Aceitar esse tipo de apoio, portanto, deveria gerar certo desconforto.

O exemplo da Beija-Flor para 2015 talvez seja o mais extremo, mas nos últimos anos a profusão de enredos patrocinados pedem uma análise mais complexa do tema. O primeiro ponto a ser refletido é: por que as escolas de samba são escolhidas como forma de publicidade se não possível expor as marcas nos desfiles ou mencioná-las nos sambas de enredo? A resposta (prematura) tem relação com a importância simbólica do evento, há décadas considerada a maior festa brasileira e até mesmo uma síntese cultural do país.

Vejamos o caso da Vila Isabel. Em 2006, quando conquistou seu segundo título, o enredo "Soy loco por ti, América: a Vila canta a latinidade" havia sido patrocinado pela estatal petrolífera venezuelana PDVSA e a homenagem a Bolívar foi o enfoque costurado pelo carnavalesco, o que certamente fora exigido pelo então presidente da Venezuela, Hugo Chávez.

Os versos do samba enredo podem não ser considerados históricos, mas o desfile foi bonito e a mensagem teve importância justamente por ressoar a partir do Brasil, país que não viu a presença e atuação do libertador latino-americano.

Já em 2013, a ideologia propagada pela escola aparentemente foi diferente. O patrocínio veio da alemã BASF, empresa que detinha o monopólio da indústria química durante o nazismo e que atualmente atua em diversos mercados, inclusive no agronegócio produzindo agrotóxicos. Não por acaso, o enrendo pretendeu-se menos "agressivo" do que pode parecer e buscava valorizar o homem do campo, sua vida simples e suas práticas culturais. "A Vila canta o Brasil, celeiro do mundo - Água no feijão que chegou mais um" foi o melhor samba do ano e, talvez, um dos melhores já ouvidos na Sapucaí. Valeu o título.

As alegorias e fantasias desenhadas pela experiente e competente Rosa Magalhães traziam representações de um Brasil rural que não usava agrotóxicos ou ficava doente por isso, mas falava de fertilidade quase divina e da alimentação do mundo pelas mãos dos trabalhadores rurais. Não se viu, também, um sem-terra qualquer. Isso é mais do que óbvio, afinal nenhuma empresa pagaria para fazer anti-marketing, mas não é plenamente justo - digamos assim. No final das contas, os milhões que garantiram o trabalho vitorioso da Vila atenderam aos interesses do agronegócio. Exagero? Talvez.

Por que só agora, em 2015, um patrocínio causa tanto incômodo? O tema merece ser discutido dentro e fora do mundo do samba, mas será que cabe indignação seletiva? O discurso (antigo e) recorrente de ver as escolas como um antro de foras-da-lei e cúmplices deve ser mantido? Tenhamos calma.

É fato que as escolas de samba pecam em transparência quanto ao uso dos recursos públicos (federais, estaduais e municipais), mas esse não é o único problema tampouco deve ser o único de interesse público. Também deve causar perplexidade e atenção quando as escolas oferecem seu espaço com grande valor (comercial, cultural e histórico) para empresas e seus interesses econômicos e ideológicos. Não é preciso negar ingenuamente que o tempo das "Escolas de Samba S.A." já chegou e se estabeleceu, mas pensar que apenas um ditador africano explica a questão é bobagem. Quem vai ser o juiz nessa disputa por atuação ética na passarela do samba?

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