29.1.15

Sambistas na guerra pela democratização da mídia?

Coincidências do mundo do samba: depois de um desfile (de qualidade questionável) em homenagem ao Boni e à Globo, a emissora limita ainda mais sua transmissão do desfiles das escolas de samba do Rio.

Faz parte da minha memória carnavalesca: todo ano, enquanto a Globo exibia o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro, ouvia os familiares reclamando da qualidade da transmissão e sentindo saudades da TV Manchete. "A gente não vê todas as alas!" e "Eles mostram tudo muito rápido" eram os reclames mais frequentes.

O tempo passou e parece que há ainda mais motivos para reclamar. Nos últimos dias pelo menos duas notícias desanimaram aqueles que gostam de assistir aos desfiles pela TV (afinal, ir ao Sambódromo é caro demais): primeiro, a Globo decidiu que não irá transmitir o desfiles da campeãs; depois, informou que os desfiles das primeiras escolas no domingo e na segunda-feira (Viradouro e São Clementes, respectivamente) não serão exibidos ao vivo.

A questão do horário dos desfiles sempre foi um problema para a Globo, inclusive quando haviam 14 escolas no grupo especial a desfilar nos dois dias. Com as atuais seis escolas por noite, a LIESA (Liga Independente das Escolas de Samba) atendeu aos apelos da emissora e os desfiles passaram a começar mais tarde. 

Há alguns anos, um acordo da Band com a Globo garantia a transmissão do desfile das campeãs. Entretanto, já no ano passado a emissora do Jardim Botânico optou pela transmissão através do canal Viva, na TV paga, o que não vai se repetir.

Para 2015, ao que parece a emissora resolveu falar "mais grosso". Decidiu o que vai transmitir ou não e ponto, sem acordo. O presidente da LIESA, Jorge Castranheira, diz que não tem o que fazer em relação à sua parceira. Será mesmo? Detentora dos direitos de transmissão com exclusividade, a Globo faz o que quer e não parece não ter medo da rejeição (já antiga) no mundo do samba.

O resultado pelo destrato da emissora talvez possa ser medido pela audiência: em 2014 a Globo registrou recorde negativo nos índices do IBOPE. Pudera. Apesar da escalação de Fátima Bernardes, e time de apresentadores e comentaristas carece de carisma e, principalmente, conhecimento sobre o samba, as escolas e os enredos.

2014 foi também o ano da babação de ovo homenagem que a Beija-Flor de Nilópolis fez ao famoso diretor geral da TV Globo, Boni. Com um enredo confuso, um samba de qualidade duvidosa ("Boni/Tu és o astro da televesão/Fiz da sua vida minha inspiração/Vem... a festa é sua, a festa é nossa, de quem quiser/Mostra que babado é esse de samba no pé") e um desfile que rendeu apenas a sétima colocação para a escola. Até mesmo o "esquenta" da escola rendeu polêmicas: antes de começar o desfile, o intérprete Neguinho da Beija-Flor entoou os versos do jingle Globeleza. A repercussão negativa de jornalistas, estudiosos e fãs do carnaval das escolas de samba surpreendeu o diretor de carnaval da escola, Laíla, que disse não saber que a Globo e Boni eram tão odiados.

Democratizar a mídia dá samba

Se a homenagem não serviu para amolecer as decisões arbitrárias da TV Globo sobre a transmissão do carnaval, fica a pergunta: será mesmo que a emissora é parceira inquestionável do carnaval carioca e das escolas de samba?

Um projeto de democratização da comunicação passa, também, por valorizar e incentivar as práticas culturais tanto nacionais quanto regionais. Não basta apenas dar grande visibilidade, é preciso entender a importância da festa e tratá-la com o devido respeito.

O discurso frequente do "Use o controle remoto!" evidentemente não faz sentido.Primeiro porque a Globo abusa do seu poder econômico e tem monopólio sobre os direitos de transmissão e, principalmente, porque a audiência não é medida em todos os televisores. O que mudará, de fato, essa realidade é a regulação econômica do setor, capaz de desmontar monopólios, equilibrar o mercado e fortalecer o sistema público de comunicação.

Valorizar a televisão pública, ao que parece, é o caminho para resolver a pendência carnavalesca. Qualquer emissora privada tem interesse no lucro e pode colocá-lo à frente da vontade do público em assistir todos os desfiles das escolas de samba.

Na Argentina, para efeito de comparação, é TV pública quem detém os direitos de transmissão do futebol, mas libera o sinal para outras emissoras transmitam os jogos. Não está na hora da TV Brasil transmitir a outra paixão dos brasileiros?

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Em 2011, o blog Pra Escrever escreveu sobre isso em uma série intitulada "Futebol para todos: muito além do grito de gol"


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