15.1.15

Mas eu tô pagando!

Todo rico acha que as demais pessoas são pobres. Parece que enxergam um medidor de riqueza invisível, daqueles que só os ricos enxergam. É uma coisa impressionante. 

Falam com cuidado e respeito com o médico, embora possam ter destratado a atendente ao serem surpreendidos ao saberem que plano não cobriria a consulta. Aí, quando avistam outro rico na sala de espera, começa aquele rio de reclamações sobre o absurdo que é ser classe média no Brasil (eles nunca se assumem como ricos, só quando encontram o Amaury Jr.).

Rico é tão previsível que o rio de reclamações sempre deságua no governo, não importando qual seja, porque rico que é rico paga muito imposto (na visão dele...). Rico também adora reclamar e jogar o "tô pagando" com atendente de telemarketing, só que com um detalhe: joga o Procon no meio ou ameaça um processo. Rico adora falar para outro rico que ganhou uns trocados da empresa tal depois de um processo. Vida de rico não é fácil!

Para que o rico conviva quase que exclusivamente com outros ricos, a ponto de nem saber com qual pobre se relaciona, ele cria uma história de superação sobre si mesmo. Depois, comenta com seus iguais que sofreu muito, por exemplo, tendo que pegar metrô para fazer estágio no escritório do papai. Nessas horas, sempre tem um rico que detalha a vida difícil do "vovô" que veio da Europa sem nada. Rico que é rico, se vai migrar, migra de outro continente!

Rico é impaciente também, principalmente quando está pagando. Rico fica pê da vida com os blocos de carnaval e o movimento para a queima de fogos na praia. No caso do reveillón, o rico tem motivo pra imitar o pobre e já cria logo uma associação de moradores. Na entrevista para a TV, o representante da associação não diz, mas gostaria de falar que paga um-dos-IPTUs-mais-caros-da-cidade.

Um dos espaços em que o rico mais se mostra como rico é na escola. Na maioria das vezes a criança rica ou o adolescente rico lembra dessa condição ao discordar do professor (pobre) e grita na sala de aula que está pagando. É nesse momento prematuro que começa a ser formado um rico de verdade. É aquele que se impõe, que não pede desculpas, que não admite que errou. Normalmente, esse comportamento é explicado porque o rico não considera ser ridicularizado.

Poucas relações deixam tão claro quem é rico e tá pagando quanto a do rico com os empregados. Rico bom é aquele que aceita, mas na verdade tá put* com o atraso da empregada. Ou que se segura e conta para outros ricos o estrago que a Fulana fez no vestido novo. Rico também não admite que o empregado tenha filhos, afinal eles têm muitos, sempre tiveram, têm parar de ter porque eu quero é melhor assim.

O auge da riqueza, entretanto, é no trato adequado com o garçom. Para começar, é preciso dizer, sentado à mesa, que no Brasil o serviço não presta. Nunca. Só se o Rio virar Paris, aí é que talvez o serviço melhore. Os garçons daqui não sabem a diferença entre bem passado e ao ponto e o rico fica naquela dúvida cruel. Mandar o prato voltar ou comer assim mesmo? É melhor comer o troço e depois mandar um e-mail pro "Rio Show"... Até que o outro rico da mesa dá a senha: "Mas você tá pagando!!!".

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Esse texto não foi escrito por um jornalista que supervaloriza seus próprios textos. Por não ter dicionário em casa, posso ter cometido algumas falhas - o que me preocupa porque pode me sujar. O mais importante, porém, é que mesmo sem ser rico, profissional ou mesmo criativo, não acredito em humor que se apropria da minoria ou quando o objetivo não é rir de si mesmo.    

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